“As crianças se interessam pelos livros quando sabem ler”
Por que tantos brasileiros não gostam de ler — e o que isso revela sobre a alfabetização no país?
Outro dia, me deparei com uma frase da educadora Maria Montessori que ficou ecoando na minha cabeça: “As crianças se interessam pelos livros quando sabem ler.” Simples, direta e devastadora. Porque se a gente levar essa ideia a sério, talvez entenda por que o Brasil ainda tem tanta dificuldade em formar leitores.
Recentemente, saíram os dados da 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, e como alguém que vive mergulhada no universo dos livros, fui logo procurar entender por que ainda há tanta gente que não lê.
E aí vem o primeiro dado que me fez parar: 14% dos não leitores são analfabetos.
É impossível falar sobre leitura sem falar sobre alfabetização. E não me refiro só à capacidade de decodificar letras. Me refiro ao saber ler de verdade — entender, interpretar, dialogar com o texto. Sem isso, a leitura nunca se torna prazerosa. E aí a gente entende por que tanta gente “não gosta de ler”.
Mas o problema vai além da alfabetização formal. 6% das pessoas dizem que não compreendem o que estão lendo. Isso significa que, mesmo alfabetizadas, muitas pessoas não desenvolveram uma relação de confiança com o texto. Ler vira esforço, não prazer.
Essa dificuldade aparece especialmente entre os que têm menor escolaridade. Quando olhamos os dados, a curva é clara: quanto mais tempo na escola, maior o percentual de leitores. Mas o dado mais gritante é o abismo entre quem estuda e quem não estuda. Enquanto 77% dos que estão estudando são leitores, apenas 37% dos que não estudam leem.
E o que dizem os brasileiros quando são perguntados por que não leem? Em primeiro lugar: “falta de tempo”. Um motivo compreensível, mas que esconde muitas camadas. Porque a gente sempre arranja tempo para o que considera essencial. O que está por trás da resposta “não tenho tempo” pode ser, na verdade, “não tenho vínculo com a leitura”, “não me ensinaram a gostar”, “nunca tive acesso a livros com os quais me sentisse parte”.
A verdade é que muita gente nunca teve chance de descobrir que a leitura pode ser uma companhia, uma ferramenta, um abrigo. E não teve essa chance porque o processo de alfabetização falhou. Porque ler de verdade é muito mais do que juntar sílabas. É compreender. É se ver no texto. É se emocionar.
Montessori sabia disso. Quando disse que a criança vai gostar de ler se souber ler, ela nos lembrou que o amor pelos livros nasce da autonomia, da liberdade de compreender o mundo pelas próprias palavras. É isso que está faltando: formar leitores que saibam ler — com sentido, com prazer, com potência.
Talvez o nosso desafio maior hoje não seja fazer as pessoas lerem mais, mas garantir que, desde a infância, elas possam aprender a ler bem. O resto, quem sabe, vem depois.
Lembrei do livro A mente bem treinada de Susan Bauer no qual ela relata o processo dela de alfabetização (homeschooling) e o livro, na verdade, foi escrito por ela e pela mãe e ensina esse processo. O ponto do livro que quero retomar é ela diz que devemos incentivar a leitura, oferecer o livro, mas depois, iniciar um dialogo com a criança sobre o que ela leu, o que achou. Isso faz diferença. Uma amiga que trabalha numa escola bilíngue, me disse que nas aulas em língua inglesa com crianças de 4,5 anos é exatamente assim.